Por Ricardo Shultz Martins
É alarmante a prevalência de pessoas com obesidade e sobrepeso uma vez que são duas condições acompanhadas de problemas de saúde, principalmente quando o acúmulo de gordura acontece na região da barriga, como doenças metabólicas, diabetes, câncer e doenças cardiovasculares. O pior de tudo é que essa situação só tende a piorar com o aumento no sedentarismo e com a piora nos hábitos de vida da população em geral - principalmente com uma dieta baseada em alimentos processados e ricos em gorduras. Porém, você sabia que o aeróbico em jejum é uma opção não-farmacológica eficaz e barata no combate ao sobrepeso e obesidade?
Isso ocorre porque quando estamos em jejum (principalmente por mais de 6 horas) o nosso corpo coordena mudanças metabólicas para aumentar o uso de lipídeos (gorduras) ao invés do uso de carboidratos para produção de energia. Assim, quando você faz um exercício aeróbico em jejum, as concentrações no sangue de glicerol e os ácidos graxos livres (resultantes da lipólise) aumentam. Em outras palavras, você possui mais gordura disponível no sangue para ser usado como combustível. Além disso, o aumento na necessidade do corpo em produzir energia para o exercício ativa os caminhos responsáveis pela queima de gordura.
Isso não acontece quando nos exercitamos após uma refeição devido à insulina. Basicamente, quando nos alimentamos, existe um aumento na quantidade de insulina circulante o que inibe a lipólise e a função das enzimas responsáveis pela transformação da gordura em energia por até 3 horas após uma refeição. Por outro lado, quando você se exercita em jejum, seu corpo secreta adrenalina e cortisol (que aliada a pouca insulina) ativam as enzimas responsáveis pela quebra da gordura. Além disso, o estímulo fisiológico causado pelo exercício em jejum estimula a expressão de genes responsáveis pelo transporte de ácidos graxos e genes responsáveis pela produção de enzimas oxidantes nos músculos - aumentando a capacidade muscular de usar lipídeos como fonte de energia.
O melhor de tudo? Quando você se exercita em jejum, há uma preferência do seu corpo em queimar gordura nas horas após o exercício físico terminar para produção de energia. Ou seja, mesmo após você parar de treinar, seu corpo continua queimando mais gordura para produzir energia.
Desse modo, o aumento na lipólise (ou quebra da gordura) tanto durante o exercício como nas horas subsequentes auxilia na redução da quantidade de gordura do corpo e, consequentemente, do percentual de gordura - combatendo a obesidade e o sobrepeso.
Tá, entendi. Mas, eu sou um atleta de alta performance. O uso do aeróbico em jejum não pode piorar a minha performance?
A resposta é depende - depende da intensidade que você vai realizar e de quando (em que momento da sua periodização) você vai realizar o treinamento em jejum. Existe uma diferença fisiológica na taxa de produção de energia entre o carboidrato e a gordura. O carboidrato é capaz de produzir muita energia porém seu estoque pode não ser suficiente para manter uma performance alta por muito tempo. Quer um exemplo? A prova de 1500m nas olimpíadas. É uma prova de uma intensidade bem elevada mas de, relativamente, curta duração. Ou seja, o atleta olímpico consegue correr a uma velocidade de até 28km/h mas não conseguiria manter a mesma velocidade se a prova fosse de 3000m, por exemplo. Por outro lado, o estoque de gordura e sua capacidade de fornecer energia para o corpo é muito maior que a de carboidrato. Porém, a produção de energia pelo uso da gordura é um processo com muitas etapas - tornando um processo demorado. Quer outro exemplo? Um maratonista de elite consegue correr a uma velocidade média de 18km/h por 42km. Ou seja, sua velocidade não chega a ser tão alta como o atleta dos 1500m mas ele consegue manter a mesma velocidade por mais de duas horas.
Tá, até aqui eu consegui entender. Mas, o que isso tem a ver com performance?
Simples, treinar para performance em jejum pode diminuir o rendimento do seu treino através de uma redução na intensidade. Ou seja, você pode até tentar fazer um treino de alta intensidade, mas a taxa de produção de energia pela gordura será um fator limitante. Assim, sua performance atlética pode, sim, diminuir. Por outro lado, se o treinamento em jejum for feito durante a pré-temporada ou pós-temporada, ele pode ter um efeito benéfico na sua performance. Uma das adaptações ao exercício em jejum é um aumento na concentração das enzimas responsáveis pela queima da gordura e um aumento na quantidade de transportadores de gordura. Ou seja, seu corpo consegue transportar e queimar mais gordura. Desse modo, o aumento na capacidade muscular de utilizar gordura como energia diminui o uso de carboidratos a uma mesma intensidade - o que pode implicar em um aumento na capacidade do atleta em manter a mesma intensidade por mais tempo.
Existe alguma consideração especial ou precaução para me exercitar em jejum? Sim. Para que essa ferramenta seja eficiente, o ideal é manter uma intensidade baixa ou moderada por três razões. Primeiro, atividade baixa e moderada em jejum reduziria, não 100%, o risco de hipoglicemia quando comparado a uma intensidade alta ou extrema. Segundo, para manter uma alta intensidade em jejum o seu corpo precisaria de um aumento nos níveis circulantes de glicose (carboidrato). Assim, ocorreria um fenômeno chamado de gliconeogênese hepática - com a produção no fígado de carboidrato seguido de secreção de insulina. Como já falado nesse texto, esses dois eventos inibem a lipólise, reduzindo a quantidade circulante de ácidos graxos para produção de energia. Terceiro, e último, para ter um bom resultado, aconselha-se que o exercício físico em jejum seja longo (acima de 40 minutos) para que a quantidade de gordura utilizada seja significativa. Isso acontece porque 100g de carboidratos fornecem aproximadamente 400kcal enquanto 100g de gordura fornecem aproximadamente 900kcal. Assim, para que você queime os mesmos 100g de gordura, o volume (ou duração) do seu exercício teria que ser maior.
Por isso, é indispensável o acompanhamento de um profissional capacitado para que seu treino seja o mais individual, eficiente e seguro possível.
Ricardo Schultz Martins
Bacharel em Fisiologia do Exercício pela Acadia University.
Mestre em Fisiologia do Exercício pela Brock University.
Especialista em Suplementação Esportiva pela Dietitians of Canada.
Acadêmico de Medicina pela Universidade do Planalto Catarinense.
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