Por Ricardo Shultz Martins
Embora não sejam desejadas, as lesões fazem parte de uma carreira atlética. Em casos mais graves, as lesões podem gerar o afastamento do atleta do esporte por vários meses. A lesão pode, também, necessitar de uma imobilização do membro afetado por semanas como, por exemplo, uma fratura - que não é exclusivo para atletas acontecendo, também, na população em geral.
O problema, porém, é que a imobilização e a fase de reabilitação, podem ser acompanhadas de uma perda na capacidade funcional do membro - e até do corpo em geral - ou seja, a fenômeno do "use it or lose it" (do inglês, use ou perca) acontece aqui. Quer um exemplo? Quando acontece uma fratura, é normal o paciente ter o membro imobilizado por um período de tempo. Sendo assim, o paciente que ficou algumas semanas com uma perna engessada ao tentar levantar após retirar o gesso pode não ter força suficiente para ficar em pé. Mas por que isso acontece?

O motivo é duplo. Primeiro, uma imobilização causa uma perda na força muscular. Por exemplo, a imobilização da perna por três semanas causou uma perda de 47% na força do quadríceps. Ou seja, de uma maneira ilustrativa e prática: se antes da imobilização você fazia um exercício com 100kg na perna direita, após 3 semanas com gesso você conseguiria fazer apenas com 53kg. Segundo, a imobilização de um membro leva a uma perda de massa muscular de aproximadamente 25% da magnitude da redução na força. Para ficar mais fácil: se você tem uma perda de 10% na força, a perda muscular será de aproximadamente 2.5%.
Ta, entendi. Mas, o que eu posso fazer para evitar as consequências de uma lesão com imobilização?
O corpo humano é uma máquina muito bem projetada e nessa máquina existe um fenômeno chamado de educação cruzada descoberto em 1894. De acordo com esse mecanismo, existe uma transferência de adaptações entre os membros. Como assim? Teoricamente, se você treinar apenas a perna esquerda você teria que ficar mais forte apenas na perna esquerda. Porém, devido a educação cruzada, a sua perna direita também irá se fortalecer - mesmo não fazendo nenhum exercício. Além disso, o treinamento no membro saudável inibe a perda muscular no membro lesado. Ou seja, mesmo lesionado você pode continuar sua evolução física treinando o membro saudável.
O mecanismo por trás do fenômeno da educação cruzada não é totalmente conhecido ainda, mas acredita-se que está relacionado, principalmente, a adaptações neurais a nível do córtex cerebral e, também, a alterações a níveis espinhal e neuromuscular (como mostrado na figura abaixo). A nível do córtex, ocorre o chamado irradiação motora. Basicamente, quando o córtex motor de um membro é ativado, existe uma estimulação no córtex motor do membro oposto através do corpo caloso. Ou seja, ao ativar o córtex motor do braço esquerdo, você acaba ativando o córtex motor do braço direito. Uma vez que o córtex motor é ativado, esse ativa os circuitos neurais tanto na espinha como no músculo que não está sendo treinado de uma maneira análoga ao membro treinado - agindo como um estímulo a manutenção da função neuromuscular mesmo com o membro imobilizado.

Imagem retirada de AM Hendy, M Spittle & DJ Kidgell (2012).
Tá, entendi. Mas, por que isso é importante? Mesmo lesionado, qualquer atleta pode continuar sua evolução física graças ao fenômeno da educação cruzada. Assim, um atleta em processo de tratamento consegue, pelo menos, manter sua capacidade física, evitando uma deterioração em sua preparação. Além disso, e possivelmente o mais imporante, essa ferramenta pode ser utilizada, também, na área clínica. Por exemplo, na reabilitação pós-AVC ou reabilitação após alguma complicação neurológica - aumentando a eficácia da reabilitação para o paciente. Para que a educação cruzada aconteça existem diversas possibilidades - mas todas elas utilizam o princípio do exercício unilateral. Quer um exemplo? Uma pessoa com uma lesão de ligamento cruzado anterior no joelho direito. No início de sua reabilitação, o paciente não poderá fazer agachamento bilateral (foto da esquerda). Porém, é possível adaptar o agachamento para o agachamento unilateral (foto da direita), como na foto abaixo. Assim, a perna esquerda do paciente recebe todos os benefícios do exercício enquanto a perna direita mantém suas capacidades neuromusculares durante o treinamento - podendo, inclusive, ter benefícios suficientes para uma evolução física (ganho de força, por exemplo).
Agachamento Bilateral Agachamento Unilateral

Ricardo Schultz Martins
Bacharel em Fisiologia do Exercício pela Acadia University.
Mestre em Fisiologia do Exercício pela Brock University.
Especialista em Suplementação Esportiva pela Dietitians of Canada.
Acadêmico de Medicina pela Universidade do Planalto Catarinense.
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