As Bruxas Modernas da Medicina: quando o coração paga o preço da desconexão

Dra Erika Vidal
31 de out.
3 min de leitura

A nova face dos feitiços

Nem toda bruxa usa capa preta ou caldeirão.

Algumas vestem jaleco, vivem em consultórios e se alimentam daquilo que, à primeira vista,

parece virtude: produtividade, perfeccionismo e controle.

Na medicina, essas “bruxas modernas” se disfarçam de hábitos profissionais louváveis, mas,

pouco a pouco, drenam energia, empatia e vitalidade.

E quando a mente vive em alerta constante, o coração paga a conta.

1. A Bruxa da Autossuficiência

Ela sussurra: “Você não precisa de ninguém.”

Seduz com a ideia de controle e independência absoluta, até que o autocuidado vira

isolamento.

É a bruxa que transforma força em rigidez e distância emocional em rotina.

Muitos médicos, treinados para suportar tudo, acabam esquecendo que vulnerabilidade

também é competência emocional.

Estudos sobre bem-estar mostram que médicos que compartilham dificuldades e constroem

redes de apoio têm menor prevalência de burnout e melhor variabilidade da frequência

cardíaca (VFC).

Antídoto: vulnerabilidade. Permitir ajuda. Reconhecer que cuidar de si também é deixar-se

cuidar.

2. A Bruxa da Perfeição Silenciosa

Ela vive nos detalhes. Corrige o que ninguém percebe e cobra o impossível.

É a bruxa que transforma excelência em exaustão.

A cada erro mínimo, o coração acelera; a cada conquista, a mente já exige mais.

A Harvard Business Review já alertou: profissionais de alta performance tendem a ter maior

risco de burnout exatamente por não saberem descansar.

Antídoto: gentileza interna. Substituir autocrítica por autocuidado.

Na prática clínica, lembrar que o progresso é mais protetor que a perfeição.

3. A Bruxa da Fuga Disfarçada

Ela aparece no fim do dia, oferecendo distrações como cura: mais telas, mais tarefas, mais

barulho.

Mas o que ela realmente teme é o silêncio, aquele que revela o cansaço, o medo e a falta de presença.

Seu feitiço é o da anestesia emocional: a mente se desconecta do corpo, e o corpo, em

silêncio, começa a adoecer.

Antídoto: presença. Respirar. Fazer pausas conscientes.

A neurociência mostra que práticas simples de atenção plena reduzem cortisol, aumentam

VFC e restauram o equilíbrio autonômico, literalmente, um antídoto fisiológico contra o feitiço do estresse.

O preço da desconexão

Essas bruxas são metáforas de comportamentos reais, que moldam o cenário da medicina

contemporânea.

O médico exausto, sempre em prontidão, vive com o sistema simpático hiperativado, pressão mais alta, sono mais leve, insônia, coração mais rápido.

A mente acelerada, o corpo tenso e o coração em alerta compõem o retrato clínico do

esgotamento silencioso.

Mas o oposto também é verdadeiro: a coerência entre mente, corpo e propósito protege o

coração.

Quando desaceleramos, respiramos e reconhecemos limites, não estamos “rendendo menos”, estamos garantindo sustentabilidade.

Reflexão

As bruxas modernas não vivem nas florestas, vivem dentro das nossas agendas.

E seus feitiços são sutis: a pressa, o isolamento, o medo de parar.

Mas todo feitiço pode ser quebrado com consciência, presença e gentileza consigo mesmo.

Porque, no fim, a verdadeira magia é viver com o coração em ritmo humano e não em alerta

constante.

Sou a Dra. Érika Vidal, Médica Atleta, Maratonista, Cardiologista com foco em prevenção, cardiologia do esporte e medicina do estilo de vida. Além da prática clínica, dedico minha trajetória a difundir conhecimento sobre saúde cardiovascular, atividade física, bem-estar mental e transformação de hábitos.

Acredito que o exemplo do médico saudável inspira e dá credibilidade, ajudando nossos pacientes a florescerem também. É por isso que inicio esta coluna quinzenal aqui no blog Médicos Atletas: um espaço para conversarmos sobre ciência, prática clínica e, sobretudo, sobre como cuidar de nós mesmos é o primeiro passo para cuidar melhor do outro.

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