Burnout médico: quando a mente em alerta cobra a conta do coração
- Dra Erika Vidal

- há 2 dias
- 4 min de leitura
O custo silencioso da dedicação sem limites
Ser médico é, muitas vezes, viver em estado de alerta permanente. Plantões longos, decisões críticas, jornadas emocionais intensas e uma cultura profissional que, por décadas, glorificou a exaustão.Por trás dos jalecos e da vocação, há corpos cansados e mentes sobrecarregadas.
E quando a mente vive em alerta constante, o coração paga a conta.

A engrenagem do esgotamento
No livro Sociedade do Cansaço, o filósofo Byung-Chul Han descreve o paradigma contemporâneo: saímos de uma sociedade da disciplina para uma sociedade do desempenho, em que o indivíduo explora a si mesmo, acreditando estar sendo livre — até adoecer.Na medicina, essa lógica é clara:
A dificuldade de dizer “não”.
A pressão de corresponder a expectativas externas e internas.
A culpa por cuidar de si.
O resultado? Médicos funcionando no “modo sobrevivência”, com a mente permanentemente ligada e o corpo acumulando a fatura fisiológica desse ritmo.

O peso da evidência
A literatura científica é clara sobre a relação entre estresse crônico e risco cardiovascular:
Médicos têm taxas mais altas de burnout do que a média da população, chegando a 50% em algumas especialidades (Mayo Clinic Proceedings, 2022).
O estresse crônico aumenta em 27% o risco de infarto e em 32% o risco de AVC (American Heart Association).
A ativação constante do sistema nervoso simpático eleva a frequência cardíaca e a pressão arterial, reduzindo a variabilidade da frequência cardíaca (VFC) — marcador importante de risco cardiovascular.
Estudos mostram que profissionais em burnout têm risco aumentado de disfunção endotelial, arritmias e síndromes metabólicas.
👉 O burnout não é apenas psicológico: é uma sobrecarga fisiológica real sobre o sistema cardiovascular.

Três passos para quebrar o ciclo mente–coração
Reconhecer o estado de alerta como um sintoma, não como “normal”
Muitos médicos naturalizaram sinais de exaustão (taquicardia, insônia, irritabilidade) como parte do “ser médico”. Reconhecer que isso não é sustentável é o primeiro passo para mudar.
Reorganizar o ambiente e os limites
Burnout não se resolve apenas com autocuidado individual — envolve também ajustar demandas, delegar, estabelecer fronteiras e retomar o senso de agência sobre a própria agenda.
Praticar pausas restauradoras de forma deliberada
Respiração profunda, breves caminhadas, meditação curta ou até rituais simples entre atendimentos ajudam a desativar o modo de alerta e a restaurar a VFC.
Pequenas pausas frequentes têm efeito cumulativo.
Do individual ao sistêmico
Combater o burnout médico não é um luxo individual — é uma estratégia de saúde pública.Médicos esgotados têm menor capacidade de escuta, mais erros, menos empatia e piores desfechos clínicos.Cuidar da saúde mental do médico é cuidar da saúde da sociedade.
Vivemos numa cultura médica que nos ensinou a resistir. Mas resistir não é o mesmo que florescer.O burnout é o lembrete de que nenhum coração aguenta viver em alerta permanente.
“Cuidar de si não é egoísmo. É uma forma sofisticada de cuidar do outro.”
Que possamos reconhecer os sinais, ajustar o ritmo e lembrar: a mente forte também precisa de descanso para proteger o coração.
🎁 Bônus para você, leitor:
🧘 Guia Prático de Pausas Restauradoras
Técnicas simples para médicos incorporarem momentos de recuperação ao longo do dia
Na rotina médica, a pausa muitas vezes é vista como perda de tempo. Mas, do ponto de vista fisiológico, pausar é tão importante quanto agir.Pequenos intervalos intencionais reduzem o tônus simpático, restauram a variabilidade da frequência cardíaca (VFC), melhoram a clareza mental e protegem o coração do impacto cumulativo do estresse crônico.
⏸ 1. Respiração 3-3-6
Tempo: 1 a 2 minutos
Inspire pelo nariz por 3 segundos
Segure por 3 segundos
Expire lentamente pela boca por 6 segundos
👉 Técnica simples e eficaz para ativar o sistema parassimpático e reduzir a frequência cardíaca.
🌿 2. Pausa de presença entre atendimentos
Tempo: 30 segundosAntes de entrar no próximo consultório ou prontuário:
Feche os olhos por alguns segundos
Solte os ombros
Sinta os pés no chão
Respire fundo 2 vezes
👉 Essa “micro-presença” reduz o carry-over de tensão de um atendimento para outro e melhora a qualidade da escuta.
🚶 3. Caminhada curta + olhar distante
Tempo: 3 a 5 minutosSe possível, saia do ambiente fechado. Caminhe lentamente e olhe para pontos mais distantes (janela, céu, horizonte).👉 Esse movimento ativa áreas cerebrais ligadas à criatividade e ajuda a desativar o foco hiperconcentrado típico do estado de alerta.
💆 4. Ritual de transição no fim do dia
Tempo: 2 a 5 minutosAntes de chegar em casa, faça uma pausa deliberada: respiração lenta no carro, uma caminhada curta ou um momento de silêncio.👉 Isso ajuda a “desligar o modo de plantão” e evita levar a tensão acumulada para o ambiente familiar.
✨ Para refletir:
Pausas não são fraqueza. São estratégias fisiológicas de proteção para mentes e corações que vivem sob alta demanda.Comece com uma única pausa diária e observe como pequenas interrupções podem gerar grandes mudanças ao longo do tempo.

Sou a Dra. Érika Vidal, Médica Atleta, Maratonista, Cardiologista com foco em prevenção, cardiologia do esporte e medicina do estilo de vida. Além da prática clínica, dedico minha trajetória a difundir conhecimento sobre saúde cardiovascular, atividade física, bem-estar mental e transformação de hábitos.
Acredito que o exemplo do médico saudável inspira e dá credibilidade, ajudando nossos pacientes a florescerem também. É por isso que inicio esta coluna quinzenal aqui no blog Médicos Atletas: um espaço para conversarmos sobre ciência, prática clínica e, sobretudo, sobre como cuidar de nós mesmos é o primeiro passo para cuidar melhor do outro.
Formações:
Cardiologista RQE 22575
Especialista em Ergometria e Reabilitação cardíaca RQE 40659
Pos graduações: Nutrologia, Medicina do Esposte, Psicologia Positiva
Formação em Medicina do Estilo de Vida pela MEV Brasil
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